Máscaras de tecido: uso seguro como proteção contra o coronavírus?
Máscaras de tecido: uso seguro como proteção contra o coronavírus?
Máscaras de tecido caseira para proteção contra coronavírus
Fonte: Pebmed.com.br
Nas últimas semanas, órgãos internacionais de saúde, como o CDC e o ECDC, passaram a recomendar o uso de máscaras de tecido pela população geral como estratégia complementar no controle da epidemia de SARS-CoV-2, o novo coronavírus.
No início do mês, na mesma linha, o Ministério da Saúde divulgou nota informativa em que recomenda que máscaras cirúrgicas e N95 sejam priorizadas para profissionais de saúde e sugere que a população pode produzir suas próprias máscaras caseiras, utilizando determinados tecidos.
máscaras de tecido empilhadas para proteção contra coronavírus
Máscaras para coronavírus: evidências científicas
Apesar das recomendações recentes, existem poucos estudos em relação à eficiência de máscaras de tecido na redução da transmissão de infecções respiratórias. O uso de máscaras em geral como forma de proteção é pouco estudado na literatura. A maioria dos estudos foi conduzida no contexto da pandemia de H1N1, avaliando a capacidade de evitar transmissão por aerossóis. O uso de máscaras cirúrgicas foi comparador frequente, mas alguns estudos também avaliaram o uso de máscaras N95.
Um desses estudos, publicado em 2008, compara o uso de máscaras PFF2 (equivalentes a N95), máscaras cirúrgicas e máscaras de tecido em voluntários saudáveis, avaliando o uso em períodos curtos e prolongados.
Para a avaliação de proteção com curto período de tempo, 28 voluntários adultos e 11 crianças com idades entre 5 e 11 anos foram recrutados para utilizar os diferentes tipos de máscara por 10 a 15 minutos, enquanto realizavam as seguintes atividades por períodos de 1,5 minuto cada: repouso, aceno com a cabeça (movimento de “sim”), rotação horizontal da cabeça (movimento de “não”), leitura em voz alta de um texto padrão e simulação de caminhada. Nessa ordem, a frequência respiratória aumenta gradualmente. Durante essas atividades, a concentração de partículas foi medida nas partes interna e externa de cada tipo de máscara.
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Para a avaliação do uso por período prolongado, 22 voluntários adultos (10 homens e 12 mulheres) foram divididos em 3 grupos para uso de máscaras PFF2 (4 homens e 4 mulheres), máscara cirúrgica (3 homens e 4 mulheres) e máscaras de tecido (3 homens e 4 mulheres) por um período de 3h. Durante o período, os participantes foram orientados a realizaram suas atividades de rotina. De forma semelhante à avaliação anterior, a concentração de partículas em ambas as faces das máscaras foi medida no início e no final do período designado e a intervalos regulares.
Como avaliação final, a eficácia dos diferentes tipos de máscara em interromper a transmissão de aerossóis por uma pessoa infectada foi avaliada por meio de simulação em bonecos em diferentes frequências respiratórias.
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Os resultados mostraram que todos os tipos de máscara foram capazes de reduzir a exposição dos voluntários durante todas as atividades, tanto em crianças quanto em adultos. Máscaras cirúrgicas conferiram duas vezes mais proteção do que máscaras de tecido, com uma diferença um pouco mais marcada entre os adultos. Já as máscaras PFF2 conferiram 50 vezes mais proteção do que as máscaras de tecido e 25 vezes mais proteção do que máscaras cirúrgicas. As diferenças foram menores em crianças (10 e 6 vezes em relação às máscaras de tecido e às máscaras cirúrgicas, respectivamente). Após ajuste, o tipo de máscara foi fator independente para proteção (p < 0,001) e crianças foram menos protegidas do que adultos (p < 0,001).
O tipo de máscara foi encontrado como fator protetor também na avaliação de período prolongado, com máscaras cirúrgicas sendo melhores do que máscaras de tecido e máscaras PFF2 sendo melhores do que os dois outros tipos. Apesar de não ter alcançado significância estatística, atividades consideradas mais extenuantes tenderam a aumentar o fator de proteção de máscaras de tecido e, em menor escala, das máscaras cirúrgicas, e diminuir o da máscara PFF2.
Em relação à capacidade de retenção de partículas, não houve diferença entre máscaras cirúrgicas e PFF2 e máscaras de tecido mostraram apenas pequena margem de proteção. As diferentes frequências respiratórias não alteraram o resultado.
Os autores concluem que todos os tipos de máscara são capazes de conferir alguma proteção, embora de forma variável. Contudo, reforçam o fato de que outras variáveis, como tempo de adesão, ajuste da máscara à face e presença de tosse ou espirros, podem afetar a eficácia dos tipos de máscara em um contexto de vida real.
Outro estudo mais recente, publicado em 2013, avaliou diferentes tipos de máscaras de tecido em relação à sua capacidade de filtração de aerossóis contendo altos inóculos de amostras bacterianas e virais.
Para esse estudo, 21 voluntários saudáveis com idades entre 20 e 44 anos foram recrutados para, usando máscaras de tecido e máscaras cirúrgicas, realizar as seguintes atividades por 96 segundos cada: respiração normal, respiração profunda, rotação horizontal da cabeça, aceno com a cabeça, leitura em voz alta, inclinação do tronco sobre o abdome e respiração normal. Diferentes materiais também foram testados em relação à sua capacidade de filtração e à sua adequabilidade para ser serem usados como máscaras caseiras.
Um aspecto interessante dessa publicação é que os voluntários foram instruídos a confeccionarem suas próprias máscaras de tecido com camisetas de cotton (poliéster e algodão). Além disso, colocaram e adequaram as máscaras, tanto as de tecido quanto as cirúrgicas, sem auxílio dos pesquisadores. Essas circunstâncias aproximam o experimento à situação de uso pela população geral.
Os resultados mostraram que máscaras cirúrgicas mostraram a maior eficiência de filtração para aerossóis com partículas virais, seguidas de tecido de bolsas de aspirador de pó, toalhas de chá, cotton, fronhas de tecido antimicrobiano, linho, seda e algodão (camisetas 100% algodão). Entretanto, analisando as propriedades de cada tecido, algodão e fronhas de tecido antimicrobiano foram considerados os mais adequados para a confecção de máscaras caseiras, sendo algodão o com maior probabilidade de vedação adequada.
Para avaliar a eficiência das máscaras confeccionadas pelos voluntários em evitar a dispersão de gotículas e aerossóis, foi avaliada a carga bacteriana expelida após tosse sem máscara, com máscara de tecido e com máscara cirúrgica. Os resultados mostraram redução no número total de microrganismos expelidos com tosse com ambos os tipos de máscara quando comparados com a ausência de máscara. Entretanto, somente máscara cirúrgica alcançou significância estatística.
Para os profissionais de saúde
Em relação ao uso de máscaras de tecido como forma de proteção contra transmissão nosocomial, um ensaio clínico randomizado foi conduzido em 2011 em hospitais do Vietnã comparando a taxa de aquisição de infecções respiratórias por profissionais de saúde que trabalhavam em setores considerados de alto risco (emergências, enfermarias de Infectologia ou Pneumologia, unidades de terapia intensiva e Pediatria).
Os profissionais recrutados foram randomizados para usar máscaras cirúrgicas durante todo o turno de trabalho, máscaras de tecido durante todo o turno de trabalho ou precaução padrão (que podia ou não compreender o uso de máscaras, cirúrgicas ou de tecido, dependendo do protocolo da instituição). O tempo de seguimento foi de quatro semanas.
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Os participantes foram avaliados clínica e laboratorialmente para o desenvolvimento de doença respiratória clínica, síndrome gripal e infecção respiratória laboratorialmente confirmada. A pesquisa de vírus respiratórios incluiu Influenza A e B, vírus sincicial respiratório, SARS-CoV (coronavírus agente da SARS), além de outros vírus comumente envolvidos em infecções de vias aéreas superiores.
Dos 1607 profissionais recrutados, 580 foram alocados no grupo de máscara cirúrgica, 569 no grupo de máscara de tecido e 458, no grupo controle. Em média, os profissionais estiveram em contato com 36 pacientes por dia durante o período do estudo. As taxas de doença respiratória clínica, síndrome gripal e infecção respiratória laboratorialmente confirmada foram menores no grupo de máscara cirúrgica, seguidos do grupo controle, e maiores no grupo de máscaras de tecido. A adesão (auto relatada) foi maior com ambos os tipos de máscara do que no grupo controle. Higienização das mãos foi fator protetor contra infecção laboratorialmente confirmada, com diferença estatística.
Uma subanálise comparou todos os profissionais que usaram somente máscaras de tecido com os que usaram somente máscaras cirúrgicas. A análise univariada mostrou maiores taxas de infecção no grupo que usou máscaras de tecido, resultado mantido para síndrome gripal e infecção laboratorialmente confirmada após ajuste. Testes laboratoriais mostraram que a penetração de partículas através de máscaras de tecido era muito alta (97%) quando comparadas com máscaras cirúrgicas (44%) e N95 (0,1%).
Mensagens práticas
O Ministério da Saúde brasileiro sugere atualmente o uso de máscaras de tecido pela população geral. Essa sugestão aplica-se a pessoas assintomáticas que precisem sair de seus domicílios, especialmente se precisarem se deslocar para locais com aglomeração. Indivíduos sintomáticos e seus cuidadores devem utilizar máscara cirúrgica e profissionais de saúde devem utilizar EPI recomendados de acordo com o nível de assistência prestado;
Os estudos citados corroboram a ideia de que máscaras de tecido são capazes de fornecer algum grau de proteção para o usuário, mesmo que inferior ao de máscaras cirúrgicas. Inclusive, os resultados nesse sentido foram melhores na filtração do que na retenção de partículas, o que vai ao encontro das recomendações do Ministério da Saúde, que orienta uso de máscaras cirúrgicas para sintomáticos;
Para os profissionais de saúde, o uso de máscaras de pano não conferiu proteção adequada contra a aquisição de infecção respiratória. A recomendação é de uso de máscaras cirúrgicas ou N95 em situações de atendimento;
Os resultados referem-se à avaliação de aerossóis, sem avaliação específica em relação aos efeitos sobre os efeitos de gotículas;
Um achado consistente entre os estudos é a necessidade de medidas complementares ao uso de máscara para prevenção de infecções respiratórias, em especial a higienização das mãos. Sua prática adequada foi fator protetor independente nesse contexto.